Histórico

PROGRAMA DE AÇÕES ARTÍSTICO-EDUCATIVAS DO MAC DE NITERÓI
Repensando Funções e Expandindo Competências

Márcia Campos
Diretora da Divisão de Arte-Educação


O conhecimento deve estar na mão de todos

O trabalho de agenciamento social do Projeto Arte Ação Ambiental, junto à comunidade do Morro do Palácio, iniciado logo nos primeiros anos de funcionamento do MAC de Niterói, surge a participação de um grupo de artistas e educadores movidos por ideais comuns, sob a visionária liderança do educador Guilherme Vergara, que atuou no Museu por 13 anos consecutivos, sendo Diretor da Divisão de Arte Educação e, posteriormente, diretor do MAC de Niterói.

A proposta de um projeto de educação não formal, ancorado nos campos da arte e da educação ambiental, de abrangência para além das funções institucionais do Museu, atende aos parâmetros da nova museologia, que a partir de 1970 propõe a ampliação conceitual de museu e patrimônio. Essa mudança propõe novos paradigmas, legitimando as práticas das instituições museológicas na realidade do contexto em que estão inseridas. Os museus passam não somente a preservar acervos e memórias, mas a atuar diretamente na sociedade, como agentes de transformação social.

Durante a primeira década de existência, as oficinas do Projeto Arte Ação Ambiental foram realizadas no próprio Museu. Sem um espaço adequado para o trabalho de atelier, ocuparam espaços alternativos no Museu e dentro da própria comunidade do Morro do Palácio - como o salão da igreja, a sede da Associação de Moradores, o Posto de Saúde e, até mesmo, as próprias casas dos jovens.

Acesso ao Módulo
Acompanhar e colaborar com o projeto desde o início do programa foi um privilégio. Pude, durante 13 anos de existência do trabalho, testemunhar as tranformações e o crescimento dos jovens que, na sua maioria, nunca haviam entrado em um museu de arte. A familiaridade com a arquitetura arrojada foi-se consolidando à medida que os encontros ocorriam. Aos poucos, as transfomações tornaram-se aparentes. O convívio do grupo foi tornando-se cada vez mais próximo, mais cordial e participativo. Até mesmo a preocupação com a aparência física era visível, evidenciada pela escolha das roupas com produção bem cuidada, como quem está participando de evento especial.

O Museu, através do Projeto Arte Ação Ambiental, abriu portas para jovens da comunidade vizinha, oferecendo ao grupo a oportunidade de acesso ao universo artístico da arte contemporânea brasileira, abrindo caminhos de possibilidades de transformação cultural e formação dos cidadãos capazes de valorizar e interagir com a cultura da comunidade a que pertencem. Os jovens envolvidos no projeto, desde o seu início, seguiram o caminho da legalidade e da cidadania, diferentemente de outros envolvidos com o tráfico de drogas e a marginalidade. Alguns tornaram-se instrutores das oficinas, capacitando novos jovens da comunidade; outros buscaram formação pedagógica; e outros, ainda, colaboraram na administração e segurança patrimonial da sede do Módulo.

O Projeto não transformou a realidade de todos os participantes, mas abriu caminhos para um grupo de jovens e contribuiu para a formação de cidadão participativos e mais preparados para uma atuação responsável, criativa e crítica na sociedade.

Os moradores da comunidade acompanharam por cinco anos as obras de construção do MAC com curiosidade e expectativa, certamente interrogando-se quais benefícios poderia trazer para a comunidade um Museu de Arte instalado na proximidade de suas casas. Certamente surpreenderam-se ainda mais ao verem o Museu estendendo-se geograficamente, integrando-se ao território da comunidade, através da construção do Módulo de Ação Comunitária do MAC de Niterói, inaugurado em dezembro de 2008.

Oficina de Serigrafia
O primeiro ano de funcionamento do Módulo de Ação Comunitária do MAC de Niterói foi repleto de desafios para o Museu, para a Divisão de Educação, para os educadores envolvidos no projeto, e de muitas expectativas para a comunidade. Apesar das dificuldades enfrentadas, foi possível estabelecer parcerias institucionais importantes com a Fundação Municipal de Educação, iniciando o Programa de Inclusão Digital do TELECENTRO; e o programa "Falando sobre saúde", parceria com o PROEX / Programa de Extensão da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense, oferecendo oficinas e palestras sobre conscientização e educação em Saúde.

Projeto Biblioteca de Afetos

Reestruturamos o funcionamento das oficinas regulares de Papéis Artísticos Artesanais, de Criação Plástica, de Iniciação Musical (Sonorizar), de Serigrafia e de Maquetes (Palácios Coloridos). Inauguramos os Projetos Especiais temporários de Residências Atísticos-Educativas e de Agenciamentos Socioculturais, como o projeto "Biblioteca de Afetos", com a artista portuguesa Virginia Motta, em parceria com a UFF; o programa INOVART; o projeto "Farol Cutural", intercâmbio entre educadores e artistas brasileiros e noruegueses - o projeto multimídia "Palaventório", com a artista Dora Andrade em parceria com o Ponto de Cultura Me Vê na TV, Ong Campus Avançado e FUNARTE; as oficinas de serigrafia, com participação do grupo americano Radical Urban Silkscreen Team e apoio do Museu Andy Warhol.

O Módulo de Ação Comunitária do MAC de Niterói, através de seus programas em parceria com o BNDES, Programa Médicos de Família da cidade de Niterói, Universidade Federal Fluminense, Fundação Municipal de Educação, constitui-se em uma proposta de ampliação das funções do Museu, sedimentando a proposta de ação artística e educativa extramuros do MAC de Niterói.


A coordenação e a gestão dos projetos do Módulo pela Divisão de Arte Educação do Museu, ancorados nos campos da arte e da educação ambiental, legitimam a atuação do MAC de Niterói como agente formador e transformador do contexto social no que está inserido. As ações, carências e desafios abrem-se para um campo infinito de possibilidades, demandando participação de líderes comunitários, parcerias institucionais, esforços políticos e apoio de todos que compartilham do sonho idealista de Neimeyer de construir uma sociedade mais justa e igualitária. O Módulo de Ação Comunitária do MAC de Niterói tem como missão servir à comunidade como um abrigo da arte e promover ações socioambientais, estabelecendo um vínculo concreto de ações e interações com o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, do qual origina-se e ao qual vincula-se, através do compromisso ético ampliado e do potencial tranformador das práticas artísticas na sociedade.


MÓDULO DE AÇÃO COMUNITÁRIA - TERRITÓRIO DE POSIBILIDADES
Arte Ação e Afetos
Luiz Guilherme Vergara
Fundador do Projeto Arte Ação Ambiental

Das práticas dos espaços e dos saberes do MAC irradiaram-se os processos que fecundam o Maquinho para o Morro do Palácio. A Divisão de Arte Educação começou sem nada e, com a prática das experiências compartilhadas, desdobra-se em Arte Ação Ambiental, atuando no avesso do monumental MAC, como práticas de uma microgeografia  da esperança, buscando fecundar vontades e intuições que emergem do núcleo da forma arquitetônica para a irradiação de experiências em outros territórios de possibilidades de cidadania, da plenitude do direito de ser social.

UAU Cara!! Assim, um dia em 1999, Renan, , jovem do morro do Palácio, expressou durante uma oficina de jogos de criação artística (jogos Neoconcretos) que o que fazemos é “alegria em forma de arte!” Do subsolo do MAC, um jovem enunciava a descoberta da arte como experiência vital e da energia silenciosa da infância como criação e aquisição inaugural de um exercício especial de liberdade. Renan, com um grupo de mais 30 adolescentes, frequentou o MAC como um lugar da criação dentro do museu e dentro de seu mundo em formação. Quantos desses jovens perdemos ao longo desses anos? Quantos foram realmente afetados por esses momentos de criação? Saudações a todos que passaram a incorporar o MAC em suas vidas, como agentes de uma esperança especial, hoje líderes comunitários, melhores cidadãos em suas comunidades.

Perguntas e Diálogos entre MAC e Maquinho

Na adversidade do mundo hoje, não é possível produzir ou expor arte sem participação nos processos criativos, desafiando e reforçando taxonomias e ideologias tradicionais herdadas ainda do século XIX. Neste sentido, qual o papel que os museus de arte projetam para si mesmo como instituições? A forma do MAC Niterói inspira novos paradigmas de ações artísticas, culturais e sociais, não apenas como espaços de legitimação e símbolos da cultura material e nem apenas direcionado como um poderoso e contestado agente das ideologias dominantes. O MAC tem em sua forma e missão trazer para a terra a geografia de um lugar de esperança, de transformações indissociáveis entre estética e ética para os museus de arte.

A pergunta que se abre é como podem os museus exercerem esta condição de plataforma, não somente como construções cívicas, mas como participantes-atores-cívicos? Existe lugar para novos paradigmas éticos de práticas que possam abarcar seu papel como campo potencial para o agenciamento sociocultural e um novo lugar dentro de diferentes públicos e comunidades? Quais são essas possibilidades?


O Modulo de Ação Comunitária – Maquinho, como ficou popularmente chamado – inaugurado em 2008, abre para o MAC um horizonte de possibilidades de pertencimento, irradiação e multiplicação de processos socioculturais para a cidade de Niterói, que representa um salto crítico para o museu, bem como para os desafios da desalienação da arte contemporânea no século XXI. Se, por um lado, inspiram-se nas formas livres abertas para a participação da sociedade, expressas na arquitetura de Oscar Niemeyer; por outro, alinham-se à vontade de engajamento total da arte e dos artistas no mundo contemporâneo, no comprometimento crescente de estar e criar junto com a realidade social, política e ambiental brasileira. Esse comprometimento com uma comunidade estabelece as bases éticas para uma nova geografia de ações e colaborações de saberes artístico-pedagógicos e sociais, formando um campo ampliado de fecundação de vontades de ser e memórias compartilhadas para o presente do futuro.

Neste horizonte de possibilidades também configura-se um campo de desafios e dilemas entre autonomia da criação artística e sua instrumentabilidade dentro de uma geografia de adversidades sociais históricas. Não se trata de “levar arte de uns poucos para outros muitos”! Nesta geografia da arte e ação ambiental é preciso que todos tornem-se aprendizes, comecem com nada, tanto no MAC quanto no Maquinho. Artistas, educadores, curadores eagenciadores socioculturais serão como os médicos, também de família na comunidade, atuando como residentes e propositores de processos de cura pela criação coletiva de linguagens e afetos como novas formas de arte-educação-saúde, onde emerge o exercício de formação social e ambiental de sujeitos e cidadanias.


Genealogia de Uma Arquitetura da Esperança

A Comunidade do Palácio foi escolhida para ser a primeira a receber o projeto devido à proximidade com o Museu, e recebeu, em 2001, do Fundo Social do BNDES, os recursos para a construção do primeiro Módulo de Ações Comunitárias, com o projeto de Oscar Niemeyer. O Módulo de Ação Comunitária do MAC de Niterói é resultado do programa experimental de ações socioeducativas, Arte Ação Ambiental, do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, iniciado em 1999 com a parceria do programa Médico de Família do Município de Niterói, da Associação de Moradores do Morro do Palácio e da Universidade Federal Fluminense, mas foi a partir do investimento do Fundo Social do BNDES que a possibilidade de recursos para uma construção do primeiro módulo dentro do Morro do Palácio começou a ser imaginada.

Desde os primeiros anos do MAC de Niterói, vários artistas e educadores, interessados em novas formas ampliadas de ação e intervenção artística, pedagógica e socioambiental foram convidados para discutir um programa de abrangência pública, extramuros, para o Museu. Nesta época, junto à direção da Dora Silveira, também foram feitos os primeiros contatos com o Programa Médico de Família, através do seu coordenador regional, Dr. Luiz Hubner, e a coordenadora geral, Maria Célia, que desde então atuaram como fiéis apoiadores conceituais e políticos deste projeto. A partir destas aproximações locais, nacionais e internacionais, o Projeto Arte Ação Ambiental tomou forma, sendo inaugurado no Morro do Palácio através de recursos do Programa Comunidade Solidária (1999). O Programa Médico de Família foi reconhecido como um modelo de ação comunitária e parceria intersetorial a ser adotado para as ações do MAC em Comunidades (museu sem fronteiras). A integração entre o Projeto Arte Ação Ambiental e o Programa Médico de Família dava o suporte fundamental para os artistas, pesquisadores e educadores do DAE, assim como para agentes socioculturais de outras secretarias municipais atuarem no Morro do Palácio, pelo reconhecimento e confiança dos vínculos do módulo comunitário de saúde. Nesta ocasião, já se vislumbravam os novos horizontes transdisciplinares e intersetoriais de irradiação das práticas artísticas contemporâneas para fora dos museus, e do próprio MAC, através desta parceria com o Programa de Módulos do Médico de Família para a cidade de Niterói.
Horizontes de Possibilidades: Perspectivas expandidas para a arte – sáude e museologia social para uma cidadania cultural em ações comunitárias

O Programa Arte Ação Ambiental, inspirado também no Programa Ambiental de Hélio Oiticica, buscou, em sua concepção inicial, construir novas formas de ações artísticas e museais para um conceito crítico participativo de cidadania cultural. Tal concepção reconhece a convergência de mudanças de paradigmas e metodologias que tanto ocorrem no programa dos módulos Médico de Família, voltado a uma política preventiva de saúde através de acompanhamentos e residência comunitárias.

Além das práticas artísticas contemporâneas ligadas à construção coletiva de engajamentos socioculturais, vontades construtivas em ação ambiental, através de programas de residência para artistas e pesquisadores. Em paralelo, é parte desta mesma cartografia de mudanças críticas nas relações entre cultura e sociedade, as organizações experimentais da museologia social, servindo também como terceiro eixo conceitual para o MAC-Maquinho. Desta forma, configura-se um horizonte de possibilidades de entrelaçamento entre o legado das vanguardas artísticas do século XX, a saúde e a museologia social, formando uma unidade de ação com as mudanças de perspectivas em processo nos horizontes do Programa Arte Ação Ambiental. A quebra de paradigmas da arte e museus apenas para as elites e das elites, acompanham as visões e políticas preventivas de saúde pública trazidas de Cuba para Niterói. O quarto eixo conceitual, não menos importante, vem da pedagogia crítica da autonomia e esperança de Paulo Freire, completando as lentes multifocais deste território de processos e afetos do MAC-Maquinho e comunidade. Os artistas, educadores e agentes socioculturais passam a atuar como catalisadores de vontades construtivas frente ao engajamento direto com a realidade das periferias, dos excluídos dos instrumentos de linguagem, cognição e expressão, da sua própria geografia sociopolítica. Ao Módulo cabe a mediação e o empoderamento de processos de autonomia para a criação e a imaginação social, não no sentido de fortalecer sua alienação, mas sim como pólos sociais de conscientização, pertencimento e agenciamentos para a recuperação humana onde a arte é uma linguagem em ação ambiental.


Programa Médicos de Família: Aposta na Construção de Novas Subjetividades
Luiz Hubner
Coordenador do Programa Médico de Família

A partir da Constituição Federal de 1988 surge um novo paradigma, que compreende saúde como qualidade de vida. Constrói-se, então, uma nova abordagem de problemas de saúde, cujo conceito básico é a determinação histórico-social destes problemas. Segundo ESCOREL (1999), esse paradigma parte de uma abordagem marxista da problemática de saúde, e constrói uma teoria onde as questões sociais passam a ser investigadas em seus aspectos econômicos e de processo de trabalho, à procura da determinação dos fenômenos. Como conceitos estratégicos, adotaria a prática política e a consciência sanitária como parte de uma consciência social, buscando, a partir dessa prática, uma transformação social. Pressupõe uma profunda revisão na organização do processo de trabalho em saúde, que deve deixar de ser um mero estabelecimento receptor de demanda de pessoas “doentes” para ir ao encontro do território([1]) onde as pessoas vivem, onde a vida pulsa, na busca permanente de parcerias intersetoriais, de construção de novos saberes, novas subjetividades, novos territórios existenciais, através da coprodução de saúde com qualidade de vida.


Pioneiro nesta estratégia de inserir profissionais de saúde em uma convivência diária no território, Niterói implantou, em 1992, o Programa Médico de Família (PMF). As áreas onde o PMF se insere são típicas da fragmentação e esquadrinhamento do espaço urbano, que é tradicionalmente constituído por bairros urbanizados habitados por populações de alta renda na sua orla e encostas ocupadas por população, na sua maioria, de baixo poder aquisitivo e precária infraestrutura. A violência, dessa forma, pode ser observada como um sintoma social presente na própria organização dos modos de viver e de ocupar a cidade no mundo capitalista globalizado. Tal contraste nos coloca frente a frente com a complexidade da contemporaneidade que, ao mesmo tempo em que cria discursos de combate à violência, é também capaz de reproduzi-la incessante e simultaneamente, como os constantes combates entre policiais e/ou grupos paramilitares, e o comércio de drogas ilícitas na grande maioria das “favelas” brasileiras, muitas vezes, desrespeitando a população trabalhadora lá residente, que por tantas vezes é vítima desta guerra.

As equipes de saúde do PMF vêem, desde 1992, trabalhando nestas áreas, solidarizando-se com esta população na busca de parcerias intersetoriais, que de alguma forma impactem em mais saúde. Todo o trabalho do PMF nestas comunidades parte de uma parceria com o movimento social organizado de Niterói (aqui, neste caso, a Associação de Moradores do Morro do Palácio), que, a despeito de “poderes paralelos”, tem se mantido forte e organizado; e recebe o apoio do poder público municipal, que tem compreendido a imprescindibilidade destas articulações intersetoriais como estratégia para promover, de forma dialógica com a comunidade, mais saúde, através do estabelecimento nem tanto de assistência à saúde, mas de políticas em defesa da vida.

Nesta perspectiva, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC) tem sido parceiro constante na construção destas políticas na comunidade do Morro do Palácio. Falo aqui da potência da arte como aposta de construção de novas subjetividades, novas potencias de vida. Desde 1999, o MAC, o Programa Médico de Família e a Associação de Moradores do Morro do Palácio têm construído parcerias profícuas através de projetos com os jovens moradores da comunidade.

A grande maioria dos “projetos sociais” tem como foco o desenvolvimento de habilidades necessárias para inserção desta população no mercado de trabalho, com políticas de geração de emprego e renda, o que já não é pouco, O Projeto Arte e Ação Ambiental ambiciona, desde sua primeira concepção em 1999, mais do que isto. Tem como foco de interesse a relação potencial entre os espaços culturais e a conquista da cidadania como prática de desalienação. Aposta na promoção de experiências que atuem no limite do sentido da expansão e contaminações recíprocas das esferas da arte, cultura, educação, saúde e cidadania, buscando detectar novos modos de subjetivação emergindo nas comunidades, focos de novos enunciados coletivos, territórios existenciais, inteligências grupais que escapam às capturas do capital e que não têm ainda visibilidade no repertório de nossas comunidades, de nossas cidades, eis a maior aposta deste projeto.


Produção Cultural em Arte Ação Ambiental: “Uma alegria em forma de arte”
Leandro Baptista de Almeida / Produtor Cultural
Coordenador Executivo do Projeto Arte Ação Ambiental 2005 / 2009

Quando cheguei ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói em busca de um estágio, em 2002, não imaginava que ali eu teria a possibilidade de vivenciar Produção Cultural de uma forma tão especial, associada à educação e à humanidade.

Falar do Projeto Arte Ação Ambiental é, antes de tudo, um relato sobre crescimento profissional e humano ao qual fui protagonista ao longo de oito anos. Hoje, refletindo sobre o período em que estive no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, percebo que o mesmo, através do Projeto Arte Ação Ambiental, foi pioneiro em pensar e desenvolver ações com a comunidade no que abrangia o universo de ações de museus.

O Projeto Arte Ação Ambiental inaugurou uma via de mão dupla de mediações entre museu e comunidade, ou melhor, uma rampa de mão dupla que na metáfora de Oscar Niemeyer se apresenta como um tapete vermelho de honra para todos. O projeto proporcionou a quebra de uma barreira simbólica entre nós, equipe do departamento de arte educação do museu para a comunidade do Morro do Palácio e eles, moradores, que vinham para o museu. Juntos, vivenciamos entendimentos e manifestações de que a arte pode se fazer presente por meio de ações educativas.

Como Coordenador Executivo deste projeto, compreendi e trabalhei pensando a Produção Cultural através das manifestações culturais locais e o acervo do museu e seus possíveis desdobramentos como território de proposições e ações educativas. Estas “produções culturais” são ferramentas de atuação para valorização, descoberta e potencialização de saberes locais, pois estabelecem e criam, em conjunto, uma metodologia de pensar arte e cultura como campo relacional de aprendizados.

Ao trabalhar neste projeto, eu tive a possibilidade de conhecer outros mundos. Mundos, estes, que apresentam a diversidade, a diferença, a exclusão, a solidariedade, a superação, dentre tantos outros estados do ser humano diante de diferentes universos que se encontravam através de pontes, rampas, vias, escadas, vielas, caminhos, e que proporcionaram traduções, leituras e entendimentos do mundo.

Meu papel neste processo, antes de planejar ações, pensar viabilidades para as atividades ou mesmo pensar as linguagens artísticas para o desenvolver das ações do projeto, foi o de mediar intenções. Essas intenções partiam de um trabalho educativo do museu para uma comunidade e, com o tempo, tornou-se troca de aprendizados e um desenvolvimento em conjunto, em prol de uma cidadania cultural. Eu diria que costurar entendimentos sem impor as intenções ou desrespeitar a realidade local foi o maior desafio. Oficinas de arte, grafite, mutirões contra a dengue, produção de documentários, produção de jornal comunitário, intervenções artísticas e musicais, festas, comemorações, produção e projeção de vídeos, fotografias, geração de renda, educação ambiental, valorização da produção cultural local com o entendimento de uma produção cultural ampla, impulsionaram através do diálogo, conscientização, cidadania, conhecimento, crescimento, estudo, sonhos e reflexões sobre o mundo. Estas foram algumas intenções que percebi e vivenciei neste projeto onde fiz amigos, parceiros e relações de respeito. Um dos jovens participantes do projeto, hoje homem, definiu o mesmo com a seguinte expressão “ALEGRIA EM FORMA DE ARTE”, e é esta a definição que carrego comigo sobre esta experiência maravilhosa que tive no Arte Ação Ambiental. Hoje, quando penso no projeto e em todas as experiências proporcionadas por ele, sinto Alegria em Forma de Arte.

Programa Arte Ação Ambiental e suas Ações

O Projeto Arte Ação Ambiental nasceu da preocupação do Museu de Arte Contemporânea, juntamente com um grupo de artistas e educadores – Carlos Artur Felipe, Cristina Chagas, Eliane Carrapateira, Marcos Pinheiro Barreto, Ronaldo Affonso e a própria equipe do DAE –, em ampliar sua atuação junto a diferentes áreas urbanas e grupos sociais. O objetivo do projeto piloto foi possibilitar aos jovens de uma Comunidade, sendo o Morro do Palácio a primeira escolha, educação ambiental e cidadania através de diferentes práticas artísticas e pedagógicas, em paralelo às oficinas de produção comunitária de reciclagem. Uma pedagogia de aprendizagem social através de experiências compartilhadas atrelou-se ao desenvolvimento de habilidades vinculadas a uma produção coletiva ou cooperativa de renda alternativa, que vem acontecendo até hoje por meio das oficinas de Papel Artesanal, da artista Eliane Carrapateira. O estímulo ao exercício criativo experimental inspirado na coleção e exposições do MAC, com especial foco na geração concreta e neoconcreta, gerou a oficina de Jogos Neoconcretos, que contou com a especial orientação da artista-educadora Bia Jabor. Os próprios profissionais do DAE (Divisão de Arte Educação) desenvolveram um programa de estudos para os jovens do Morro do Palácio a partir das práticas artísticas e seus processos criativos. A oficina de Jogos Neoconcretos, além de ser uma homenagem ao movimento Neoconcreto, introduziu os jovens à formação de um olhar e desenvolvimento criativo através da produção de peças interativas com dobraduras – livros “bichos” inspirados na Lygia Clark, as experimentações com a cor e forma dos Bilaterais de Hélio Oiticica, as composições geométricas de Ivan Serpa, as caixas de luz de Abraham Palatnik, entre outros artistas da coleção. A oficina de iniciação musical “Sonorizar” foi criada pelo Rodrigo Paes, inicialmente assistente da Eliane Carrapateira, tendo como proposta a confecção de instrumentos musicais a partir do reaproveitamento de materiais recicláveis. Rodrigo, hoje, conduz um grupo que se amplia na comunidade atraindo crianças e jovens com um excelente trabalho de iniciação musical. As oficinas de grafite, serigrafia e pinturas das fachadas das casas trabalham plasticidade e estudo de cores, formas e arquitetura. As oficinas do Projeto Arte Ação Ambiental já foram coordenadas por diversos que trouxeram seus conhecimentos e ajudaram a formar a ideia das oficinas como pequenas ilhas de produção de conhecimento, apresentando conceitos e práticas artísticas, estimulando o desenvolvimento de linguagens, trabalhando aspectos educativos, permitindo a qualificação para o trabalho e funcionando como espaços de integração para os participantes.


[1] Território compreendido como o espaço onde vivem grupos sociais, suas relações e condições de subsistência, de trabalho, de renda, de habitação, de acesso à educação e o seu saber preexistente, como parte integrante do meio ambiente, possuidor de uma cultura, de concepções sobre saúde e doença, de família, de sociedade, etc.

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